terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Leituras e Afins # 2

Público falou da diferença entre viver sozinho e solidão, de famílias unipessoais e de quem sem querer acabou por viver sozinho. Deliciosa esta história.
 "Viver só não é necessariamente sinónimo de solidão. Pode ser uma escolha, uma descoberta ou uma libertação."

"Dentro do número de famílias de uma só pessoa em Portugal - que triplicou desde 1960 e aumentou 37,3% nos últimos dez anos - há histórias de quem gosta de ter um espaço só para si.

A vizinha do lado bate-lhe à porta todos os dias pouco depois das sete da manhã. Não é sequer preciso abrir: basta dar sinais de vida, gritar que já está acordada e cada uma segue o seu dia. 
A essa hora, normalmente, a música até já está "a trabalhar bem alto" em casa de Nazaré Silva, como conta, um dia antes de fazer 83 anos. O ritual entre as duas vizinhas repete-se durante a semana, por vezes com variações.
Há um tempo encontrou um papel no corredor, que tinha entrado por baixo da porta: "Nazaré, vou tomar banho", era o que estava escrito. "Depois fui ver dela e até dei o papel de volta para não ter de gastar outro." Ambas vivem sozinhas no centro de Lisboa, uma no lado esquerdo, outra no lado direito de um andar num prédio de quase cem anos.
"Solidão" não é palavra que se sobreponha aos dias de Nazaré. Pelo menos agora: vive-os com o orgulho de ter aprendido a estar sozinha e preza a autonomia com que gere o tempo. Esse tempo passou a estar mais livre desde que se reformou, como recepcionista num consultório médico, e já tinha 76 anos. Por insistência da família, inscreveu-se nas actividades da Junta de Freguesia. "Há lá velhotas assim com a minha idade. Todos os dias, à tarde, há aulas diferentes. À terça-feira é [tapetes de] arraiolos, à quinta é ginástica, depois os computadores. Também há 'chicongo ioga' [Chi Kung]." 
Conta como foi dando mais liberdade aos dias: "Dantes", depois das aulas, ia para casa. "Agora vou ao cinema. Tenho um grupo muito engraçado, às vezes vamos para o café, conversamos, elas bebem umas cervejas, eu não. Antes de ontem até fui jantar fora ao chinês." Jantar fora já significa chegar a casa mais tarde, à uma e meia da manhã, depois de apanhar o último metro no centro de Lisboa.
Foi o que também aconteceu no dia de Santo António, por ter ficado a ver as marchas. "Eu nunca saía a essas horas. Agora, quando chego a casa, tenho de avisar as minhas filhas, que ficam à espera que eu lhes ligue." A pausa nas aulas, trazida pelo Verão, levou Nazaré Silva para uma colónia de férias: praia durante a manhã, na Costa da Caparica, almoço no bar da praia, passeios à tarde. Ficava com o fim do dia para tratar das compras e das limpezas da casa, tudo a seu cargo. "Corro tudo para fazer as compras, até vou ao Lidl do Sporting porque o autocarro pára em frente. E entretenho-me muito em casa, limpo é sempre o mesmo", ri. "Vejo televisão, faço renda. Às vezes, vou dormir à meia-noite porque vou à Internet." É que as tecnologias também já não lhe são totalmente estranhas: usa telemóvel - ainda que diga deixá-lo por vezes esquecido na mala - e tem email e Facebook.

Perdeu a mãe cedo, tinha oito anos. "Agora até me rio com isso, mas, na altura, chorava e perguntava: e agora quem é que me vai coser as meias?" Para ajudar em casa, o pai arranjou uma empregada. "Chamava-se Margarida, o nome da minha mãe. Nunca me deixava andar sozinha, mas eu pedia-lhe: 'Deixa-me ir só do Arco do Cego à Estefânia.' Uma vez lá deixou e eu fui descer a rua sozinha." Aos 21 anos, deixou o pai nervoso quando lhe falou num namorado. "Ele estava estabelecido aqui na rua, era da drogaria. Achava-lhe graça, mas eu nunca andava sozinha. Um dia fui à drogaria com a minha prima. 'Oh senhor José, precisava de um bico para o fogareiro.' E ele pediu-me em namoro." Casaram e ficaram a viver em casa dela. Tiveram duas filhas, que ainda eram pequenas quando, aos 33 anos, ficou viúva, um ano depois da morte do pai. Foi aí que a vida deu uma volta: pela primeira vez estava por sua conta. "Fui trabalhar para um consultório aos 34 anos. Ia às cegas e chorava, nunca tinha trabalhado na minha vida. Fiquei lá 42 anos." Não voltou a casar-se. "Segui o exemplo do meu pai e só me casei uma vez." Mesmo assim, a presença das filhas, dos genros e dos três netos não a deixou sozinha em casa, até aos 81 anos, quando o último neto se mudou.
"Houve um tempo em que me custou. Tinha sempre cá tido gente em casa e fiquei sozinha de repente." Foi preciso adaptar-se. Mas, dois anos depois, a conversa é diferente. "Gosto muito da casa das minhas filhas, mas não há nada como a minha. Faço o que quero e me apetece."

O número de famílias de uma só pessoa aumentou 37,3% nos últimos dez anos, de acordo com os dados provisórios dos Censos 2011. Entre 1960 e 2011, triplicou (de aproximadamente 254 mil famílias unipessoais para 868 mil), embora neste indicador estatístico também estejam incluídas pessoas independentes, sem grau de parentesco entre si, que partilham alojamento.
(...)
Rosário Mauritti conclui que a sociedade já não vê de forma negativa quem vive sozinho.Até porque, como escreve no livro, "se é verdade que ao longo de toda a vida adulta os indivíduos tendem a passar com maior frequência por experiências de residência unipessoal, isto não significa que estejam a ficar mais solitários ou que estejam a perder os laços de afinidade e de partilha na família e nas relações de amizade".Há o desejo de ter um espaço e um tempo não partilhados, embora nesse espaço também exista tempo para dúvidas e receios, seja aos 27 ou aos 83 anos. (...)  Nazaré Silva, para quem o último aniversário foi um dos dias mais felizes que já teve, confessa, sentada no cadeirão da sala e rodeada pelas fotografias dos casamentos dos netos, qual o seu próximo desejo. "Quando vier o Totoloto, compro uma casa no campo.""

Esta reportagem foi publicada na Revista 2 a 2 de Setembro de 2012
Por Raquel Albuquerque, in Público

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Leituras e Afins # 1

Eis que se descobrem leituras divertidas, interessantes e pedagógicas sobre amor, família, filhos, trabalho, tretas.
O blogue Pais de Quatro é um excelente exemplo do acima mencionado. Ganhamos vida, ganhamos riso e entendimento de que a família nem sempre é a melhor coisa do mundo.
O Pai, João Miguel Tavares, mostra-nos ainda como podem ser os homens. Um texto curioso e sem dúvida delicioso na habitual crónica Os homens precisam de mimo, no CM.


Amor

"Vinicius [de Moraes] colecionou paixões e casamentos e eu sou um monogâmico praticante.
Eu iniciei há umas semanas, juntamente com a excelentíssima esposa, um blogue familiar chamado Pais de Quatro, e um dos primeiros posts que escrevi foi a propósito de um filme chamado ‘Amor’, sobre um casal de velhos em que um deles está a morrer. Em rigor, o post não era sobre o filme, mas sobre a resposta do realizador Michael Haneke a um jornalista que, numa entrevista, fez a seguinte observação: "Você sugere que o amor é mais sobre as nossas ações do que sobre os nossos sentimentos, que o verdadeiro amor é, na verdade, intensamente prático."


Haneke respondeu como se tal coisa fosse a mais evidente do mundo: "Sim, claro. Aquilo que fazemos por outra pessoa é mais importante do que aquilo que sentimos por ela." Eu achei que aquela era uma resposta muito sábia e muito bela, e escrevi que ela deveria ser proferida em todos os casamentos, e estar pendurada nas paredes de todos os lares. E acrescentava que, ao contrário de "todas as teses do romantismo sentimentaloide e assolapado", me parecia ser "a perfeita definição de amor".
Um amigo meu leu o post e disse-me que aquilo que eu tinha escrito era horrível, na medida em que parecia que o que eu queria para a minha vida não era uma mulher, mas uma enfermeira. De certa forma, ele assumiu-se como o defensor do tal romantismo assolapado e da intensidade apaixonada de todas as relações, na esteira do mais batido verso de Vinicius de Moraes: "Que [o amor] não seja imortal, posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure." Um bonito verso, mas tão certo do seu relativismo amoroso quanto alguns conservadores estão certos do absolutismo do matrimónio.
Claro está que cada um fala a partir da sua biografia: Vinicius colecionou paixões e casamentos e eu sou um monogâmico praticante. Mas incomoda-me a forma como este olhar sobre as relações insiste em se tornar monopolista, como se se tivesse tornado do domínio da evidência que tudo acaba e que amar uma pessoa durante toda a vida é uma genuína impossibilidade. Estes são os que não percebem Haneke: que amar é sair de mim em direção ao outro, e que se eu nunca sobrepuser as suas necessidades aos meus sentimentos essa pessoa será sempre menos importante para mim do que eu próprio. Porque o romantismo assolapado e sentimentaloide é, demasiadas vezes, apenas um egoísmo disfarçado, que nada tem a ver com o verdadeiro amor."

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Obrigado, obrigada.

Ser grato.
Uma moda que parece que não pega.

Ser grato exige humildade, exige ser superior ao que vemos comummente. Ser grato devia ser obrigatório, sob pena de multa fiscal na ausência de gratidão.
Devia estar previsto na Constituição da República Portuguesa, devia vir nos contratos de trabalho. Devia. 
Mas parece que ser grato é uma moda que parece que não pega.

Obrigada pelas oportunidades concedidas e por aquelas que não vieram.
Obrigada pelas boas e más experiências, pela crença num mundo justo e pela evidência de que é tudo muito injusto.
Obrigada pela verdade, pela mentira. 
Obrigada por todos os medos, seguranças e inseguranças.
Obrigada pelo crescimento e consequente auto-conhecimento.
Obrigada pela austeridade, pelas facilidades e dificuldades, pela areia nos olhos, pela ilusão e desilusão.
Obrigada pela educação, pelo respeito e desrespeito do eu, do nós, pela desvalorização do desempenho, pelo amor, pelas amizades, pela vida, pelo trabalho, pela saúde.
Obrigada pela construção de um equilíbrio quase inexistente neste mundo globalizado.
Obrigada pela certeza de um futuro incerto. Obrigada por tudo que fizeram e não fizeram.
Obrigada por todas as mágoas, por todo o passado, por todo o presente.
Obrigada.

Ser grato.
Uma moda que parece que não pega.


o medo e o amor

"O amor em todo o coração e em toda a parte se procura. Já anima a possibilidade de ser encontrado e a incerteza de não passar o resto da vida sem poder amar e sem poder ser amado. O que custa é acreditar naquilo que se tem, quando todos os dias, ao longo de longos anos, se consegue encontrar esse amor que se procura, na pessoa que se ama e no lugar e no tempo - aqui, agora, daqui a bocadinho - em que mais gostamos de encontrá-lo. 

Hoje a Maria João e eu fazemos doze anos de casados e a única esperança que eu tinha - que se tornasse mais fácil acreditar na sorte que me coube na pessoa que ela é e na cegueira de olhar uma segunda vez para mim - acabou por ser mentira. 

Há um castigo para tudo: até para a maior felicidade. É o medo não só que tudo acabe mas que se descubra, de alguma maneira, que nunca tenha começado. Por exemplo, se ela se apaixonasse por outra pessoa. 

«Não vai durar, não pode durar, é bom de mais para durar»: é isto que repito no êxtase da minha alegria roubada ao sol, como se o nosso amor e a nossa vida um com o outro fossem um prazer retumbante com um fim à vista, naturalmente aceite quando chega, como comer um gelado. 

Mas dura e, quanto mais tempo dura, mais medo tenho que esteja mais perto de acabar. Não há habituação possível a esta felicidade. Não há conforto nenhum na passagem dos anos por este amor. 

Cada vez mais, torna-se a única coisa que peço a Deus e a ela: Maria João, por favor, não me deixes nunca. "

 Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público' (29 Setembro 2012)



quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Trabalho

Falemos de trabalho.
Trabalho é diferente de emprego, dizem eles nas salas universitárias.
Trabalho com gosto, trabalho e um posto.

Escolher um trabalho de que se goste, para que nunca mais tenhamos de trabalhar.
O maior dos problemas é saber do que se gosta.
Há aqueles que dizem ter sorte e acertam à primeira, 
Há aqueles que sabem o que querem ser desde pequeninos,
Outros que levam uma vida inteira para o encontrar. 

Mas convém ao mundo fazer-nos acreditar que não sabemos do que gostamos, os outros que decidam e vamo-nos deixando empregar por aí, perdão, explorar por aí.

O que gostamos pode estar numa pequena banalidade rotineira, mesmo à frente dos nossos olhos. Pode é faltar coragem, haver medo de arriscar ou nem sequer resultar!

"Cuidado com o medo, ele adora roubar sonhos!"



quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O amor é outra coisa!

Comecemos 2013 com amor, com recomendações de leitura, sim vou ler ainda mais este ano.

"O amor é uma terra estranha onde tudo renasce do nada, onde tudo é, ainda e sempre, possível. Basta querer e acreditar. Não é fácil amar, impossível é viver sem amor."

Margarida Rebelo Pinto, O amor é outra coisa, 2012.

O livro que todas as meninas, senhoras e mulheres deveriam ler.